quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Sem ses


Ela talvez não pudesse esperar mais. Eram tantos compromissos guardados na pasta, também, logo choveria. Esperou mais aquele café. Talvez o mais incoerente café – e ela já nem existia, era somente promessa. Tanta. Tanta ansiedade.
Nem falava muito com seu pensamento. Era palavra muda, gole, e via já as folhas correndo do vento, bailarinas sem plateia, fingia logo uma leitura que não levava a lugar algum. Era mesmo ali, o parado tempo da espera e o frio que acentuava o arrepio na nuca por qualquer imagem da chegada, que era somente imagem. E fechava os olhos enquanto a fumacinha da xícara fazia esquecer a ponta gelada do nariz.
Pensou, então, e então abriu espaço para uma série de devaneios. Podia tudo ter sido tão diferente. E o pacote de ses, aqueles ses que prometera não usar, ou evitar, evitar muito, os ses malditos que apontam as possibilidades perdidas, as palavras não ditas, as falhas cometidas, os compromissos negados, os aprendizados adiados, os ses de um estilo, ou tendência, talvez os ses das escolhas que não foram escolhidas; ali encontrou... e ao abrir o pacote, todos aqueles ses de olhares tão vazios foram despejados em suas lágrimas antigas. Ai tamanha sorte elas estarem ali, no chão da memória – lágrimas servem para evidenciar aquilo que a lembrança burra não entende.
Era apenas pensamento, voltou-se a linha de raciocínio. É tão bom ter os pés no chão. Os caminhos não trilhados foram-se. E deu graças, em silêncio, esboçando um pequenino sorriso enquanto mais um gole do café quente chegava em seus lábios.
Era mesmo uma tarde muito fria aquela.
Até um casaco chegar em seus ombros, envolvendo-lhe todo amor que poderia ter para agradecer aos céus, aos anjos, as energias ou conspirações do universo – seja lá para quem seria o obrigada, voltou-se de imediato para aqueles olhos tão cativantes e com uma força serena. Aqueles olhos de macio sorriso. Aqueles olhos que tanto fazia questão de ter buscando e encontrando sempre algo de bonito dentro de si, tão evidente e tão segredo.

Um comentário:

Enéas disse...

Bailarinas sem plateia, isso me surpreendeu por demais assim como todo o texto, vou ler e reler e reler.

Gostei muito mesmo.

Deixo para outro dia minhas correções impetulantes.

Te amo com força meu amor.