segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Não leia.

Choveu tanto que o céu ficou escorrido. A cor sumiu.
O céu ficou com um azul meio sem azul, meio econômico. Ficou engraçado. As nuvens ficaram todas encharcadas, como a barra das minhas calças. Como o jardim. Ficou molhado. Lavou a rima.
E agora eu não sei mais fazer poesia.
Então, não leia.

Ele me deixou, sentada na calçada. Esperei a tarde toda e nada.
Ela me deixou, com a cabeça tonta. Imaginei que tinha acabado mas ainda não tinha começado a dizer.
Pensei que era um livro, mas era sua vontade de uma leitura.
Pensei que poderia contar algumas coisas, mas achei melhor calar e ir. E rir. E ir. Ir para onde quer que você vá. Para onde quer que eu vá. Para nunca mais voltar, ou voltar. Para outro lugar. Para ficar aqui. Noutra hora eu volto. Todo mundo tende a se expandir, e compreende depois o seu lugar.

E a menina queria ser bailarina, conseguiu se apresentar, mas morreu em um circo. Fez como queria. Quem me dera assim. (agora, eu, não mais poeta, quem me dera... Ainda sonho, mas quem me dera...). Acho.

Acho que as pessoas sempre gostariam de algo mais. Sempre gostariam de poder ver a cor da felicidade. Sempre gostariam de dar a mão ao amor e não soltar mais. Acho que as vezes não se contentam, ou não sabem do valor. Ou não sei, eu simplesmente acho, você também acha, sei que no fundo acha alguma coisa.
Sempre ouvi que querer não é sinônimo de poder.
Mas as pessoas podem tudo o que querem. Podem.
Bons tempos aqueles.

Tinha um cara que tocava sua música. Estava esperando o nada. Tinha um chapéu pra por moedas. Parecia que não precisava de nada.
Pensei que ele tinha algo, mas de fato não tinha nada. Ele tinha a si.
Perguntei sobre seus pensamentos: ‘não se preocupe, não é nada’.
Não perguntei mais nada.
Pensei que as moedas sustentavam sua vida, mas era mesmo a melodia que o construía. E a vida demolia. Mas ele insistia. E a vida encobria. Depois chovia. E molhava a latinha onde ele se sentava todas as manhãs, na hora de apanhar o sol.
O que fazia a melodia?
A chuva pingava suas lágrimas. Parecia a melodia.
A chuva choveu a noite inteira. A chuva sempre faz isso. Chove.

Depois quando fomos juntos, numa espécie de cada um pra um lado e Deus na frente de cada um. Depois disso ainda ouvia-se a música.
Pensei que era mentira. Oras, não era, era engano.
Pensei que era mentira, mas era engano. Não era mentira. Realmente era realidade. Não era assim o engano. Eu ouvi a música inteira.
Decorei o refrão. Decorei cada minuto seu, e pode perguntar tudo que eu respondo. Pode me dizer quantas horas faltam pra música se tornar alegre? Eu volto quando estiver feliz.

Era certo que a chuva estava pronta para chorar as lágrimas que eu tinha pra deixar cair. E se o fez, talvez.
Encheu de água o chapéu do músico. Levou na enxurrada as sapatilhas da bailarina. Não levou nenhum livro, somente para você ler algum trechinho de esperança.
Deixou respingos na esperança, mas ela não morre.
Ela fica presa em fios finos como os de cabelo. A esperança fica se apresentando com seus malabarismos inéditos. A esperança chove em meus sonhos.
É sempre o que nos faz aplaudir.


http://www.youtube.com/watch?v=txtq29e7KQo
'O valor que as pessoas possuem, pelo menos para alguns!'
Fazer morrer a poesia e divorciar o conto e a fábula e as mentiras.

Ficar com isso, isso e aquilo.
E basta.

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