terça-feira, 26 de maio de 2009

Acumulado.



Escrever, por si só, não funciona sempre.
É preciso ter um motivo.

E eis um motivo: o fim!
(Como sempre, andar sozinho de cabeça baixa faz motivos surgirem, mas não necessariamente o fato de estar sozinho faz pensar).
(Neste caso, sim).

Estava mesmo lendo a penúltima página da revista, antes do médico chamar.

Era a indicação de um livro, rosa, de 654 páginas, que pensei ser ótimo para o meu processo de “esvaziar a mente”.
Antes de ter a coragem de lê-lo, e maior ainda, comprá-lo, haviam indicado chás, yoga, acupuntura e banho de sal grosso. Até mesmo esvaziar copos foi indicado, com o devido respaldo da moderação (enfim).
Talvez o ritual tivesse funcionado se fosse feito todo de uma vez, se possível, no mesmo instante. Talvez, inclusive no que se refere aos copos.

Mas o livro, o poder de um livro pesado e rosa em suas mãos é realmente uma arma poderosa, de uma delicadeza sem fim. Ocupei a mente de uma nova e severa ideia:
Talvez as pessoas sintam algum receio de alguém com um livro, principalmente daquele rosa. Não sei. Não penso ter notado de fora para dentro, mas, de dentro para fora – era mesmo estranhar a cor fazendo parte de minhas cores tão neutras do cotidiano.
Talvez as pessoas tenham receio, umas das outras.

Convivência é complicado, seguir ordens embaçadas é complicado. Livrar-se disso foi complicado. O dinheiro é complicado a beça.
Parece estranho quando não tem ninguém perto, e temos daqueles pensamentos que temos. Parece estranho quando tem muita gente ao nosso redor, e continuamos com os tais dos pensamentos que temos, e tornam-se teorias que armamos, furadas como todas as demais, mas que fazem um efeito a curto prazo fantástico, ou discursos de uma primazia estupenda, capaz de tornar-nos acompanhados de pessoas imaginárias, para aplaudir a nossa engenhócácidade daquela hora.
Elucubrações são direito de quem está sozinho.

O restar-se sozinho pode indicar tanto para analisar:
O quanto os dias pesam, e o quanto fica ali todo aquele peso em nosso coração, interditando a passagem das boas venturas.

E fica acumulado. Acumulado cansaço, acumulada vontade de não estar sozinho nunca! Ou simplesmente poder ter mais tempo para estar, sozinho.
E indicar mais,
Indicar as diferenças culturais e empregatícias. Diferenças morais.
Paradigmas furados na designação direta acerca de quem deve lavar a louça.
Preconceitos.
Moças que ficaram por casar porque insistiram a vida toda para isso, com -todas as- pessoas erradas.
Sociedades com regras levianamente autoritárias.
O número de mulheres dirigindo, aumentando.
O número de crianças nascendo, aumentando.
O número de fofocas aumentando.
O número de casais infelizes.
O número de traições.
O número de relações breves.
O número de bêbados.
O número de boates.
O número de indiferenças.
O número de doenças.

E sujeira, e vírus, e bactérias, e insetos.
O número de coisas fugidias.
O número de pessoas fugidias.

E pessoas e pessoas e pessoas.
Imensas fogueiras anti-bruxas.
Fome, loucura e insensatez.
Guerra, paz e tempestades.
Fé.

Desperdício.
Imensas mentiras.
Peixes grandes – Peixes pequenos.
E empregos. E empresas.

E planos que ora saem do papel, ora voltam para o papel.
Imensas tristezas.
Imensas alegrias.

E pessoas felizes, e que sorriem, e que combinamos um passeio no fim de semana para matar toda saudade.
E os restantes.

Se pudesse não arriscaria.
Se pudesse nada mais diria.

Nunca fui de grandes manifestos.

Penso que a política é um caos, a educação vive um descaso, muitos vestiram-se de hipocrisia, nosso chefe é um grosso estúpido e os animais não deveriam ser sacrificados para saciar a pseudo-fome de ninguém, no entanto, estou cá parada, eu e meus botões, confabulando discussões dignas de milhões de aplausos - tanto do meu público dos prós e dos contra cada argumento apresentado.
A mente é mesmo um cinema engraçado.
Em exibição: um romance!
E virou um livro. Rosa!
E sofre, como sofre! A mente sofre por antecipação.E a novela nunca acaba! Quando uma aflição termina trata logo de arranjar outra. Quando uma trama vira a página, um outro caso assume a atenção dos corações indefesos.

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